“O capitão, cuja coragem conquistou um império para o seu monarca, triunfando sobre seus inimigos e cobrindo-se de glória, deverá adquirir necessariamente junto aos comandados, aos inimigos e aos concidadãos uma tal reputação que torne a vitória conquistada pouco agradável ao príncipe” (Maquiavel, em Discorsi, cap. 29)
Maquiavel tem muito a nos ensinar sobre o episódio da demissão de Mandeta do Ministério da Saúde por Bolsonaro. Dois pontos merecem atenção.
Em primeiro lugar, a demissão tem sido atribuída ao ciúme do presidente diante do sucesso e da popularidade alcançada por seu subordinado. E esse ciúme tem origem em um traço da personalidade quase sempre comum àqueles que ocupam o topo do poder: a desconfiança. Diz Maquiavel: “A desconfiança é de tal modo natural nos príncipes que eles não podem evitá-la; simplesmente não lhes é possível tratar com reconhecimento aqueles que, levando sua bandeira à vitória, obtêm glória pessoal por amplas conquistas”. Para evitar tal ingratidão, Bolsonaro deveria, segundo Maquiavel, ter assumido o comando de todas as expedições no combate ao coronavírus. Deveria ter ido a todas as entrevistas coletivas, ao lado de seu ministro, como faz Trump, nos Estados Unidos, e Dória, em São Paulo. Se assim tivesse feito, ao alcançar a vitória, a glória seria sua. Mas, se não comanda em pessoa, a vitória lhe é estranha. “E pensará ser necessário extinguir nos outros a glória da qual não se pôde revestir – o que o tornará ingrato ou injusto”.