Sempre gostei de mesa. Em minha casa, tenho uma mesa na sala de jantar e outra na sala de visitas, lugar onde brindo uma taça com minha mulher e a família, reunimos amigos e participamos de jogos de tabuleiro ou de cartas. Gosto de estudar à mesa, pois tenho o hábito de fazer anotações durante minhas leituras.
Em volta da mesa, as pessoas podem se reunir. Tudo acontece ao seu redor: refeições, reuniões, decisões, confraternizações. E, também, claro, os desentendimentos. Juntar as pessoas ao redor da mesa permite que elas conversem. Dependendo da qualidade da comunicação, o resultado pode ser bom ou não. Diz o ditado que é na mesa que se conhece o caráter das pessoas. Seja comendo, seja jogando, seja conversando…
A mesa redonda, a famosa távola do rei Artur, simboliza a igualdade entre os cavaleiros, em iguais condições de posição e opinião, a circularidade da liderança, a comunhão dos bens materiais. Nas mesas retangulares, a cabeceira, ao contrário, representa o lugar da autoridade. Seja no restaurante, seja nas reuniões empresariais ou de governo, o lugar da cabeceira dá a ideia de cabeça, a parte que governa todo o corpo, lugar daquele que paga a conta e preside a reunião. Meu irmão tem uma mesa quadrada em sua sala de jantar: gosto da igualdade hierárquica de todas as posições e da unicidade que seu símbolo evoca, quatro pontos cardeais a lembrar da importância do sentido.
Foi à mesa que Jesus celebrou a santa ceia, com seus discípulos, com pão e vinho. Seu caráter sagrado lhe dá a conotação de altar, lugar mais elevado (altum, em latim) em relação a tudo que o rodeia. Talvez seja por isso que eu goste tanto de mesa. Ela tem para mim a sacralidade do altar. É em volta da mesa que realizo valores tão caros para mim: a família, o trabalho, o diálogo. Recentemente, o Papa Francisco pediu para evitar o uso do celular durante as refeições, de forma a permitir que os membros da família conversem mais entre si. Faz sentido. Dá maior sacralidade ao momento das refeições.
Sergio Bittencourt eternizou o valor da mesa, ao homenagear o pai com a canção “Naquela Mesa”, composta sendo escrita em um guardanapo no dia da morte de Jacob do Bandolim. “Naquela mesa, ele sentava sempre e me dizia sempre o que é viver melhor. Naquela mesa ele contava histórias que hoje na memória eu guardo e sei de cor. Naquela mesa ele juntava gente e contava contente o que fez de manhã. E nos seus olhos era tanto brilho que mais que seu filho eu fiquei seu fã. Eu não sabia que doía tanto uma mesa num canto, uma casa e um jardim. Se eu soubesse o quanto dói a vida, essa dor tão doída não doía assim. Agora resta uma mesa na sala e hoje ninguém mais fala no seu bandolim. Naquela mesa tá ‘faltando ele’ e a saudade dele tá doendo em mim.”
O redor da mesa é lugar de juntar gente, de contar histórias, de aprender como viver melhor. É lugar de co-memorar (lembrar junto), de soprar a vela, repartir o bolo e compartilhar o pão. Cada um pode fazer da mesa um altar para celebrar o que considera valioso. Assim tenho feito. Também terei motivos para sentir saudade.