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Triangulação

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– Oi, Pai…
– Oi, Filho…
– Pai?
– Que é, meu filho?
– Posso dormir sem escovar dente?
– Claro que não, meu filho.
– Só hoje, Pai…
– Não. Vamos, levanta daí e escova logo, antes que você durma.
– Pai, mas a mamãe deixou…
– Já falei para você não fazer isso, meu filho.
– Isso o quê, pai?
– Falar de uma terceira pessoa, sem ela estar presente.
– Mas não tem jeito, Pai. Eu pensei nisso, mas eu falo da minha professora, dos meus colegas e você mesmo pergunta sobre eles…
– Eu sempre te digo que não devemos falar de uma terceira pessoa para ela mudar o rumo da nossa conversa, entendeu? Por exemplo, eu disse que não pode dormir sem escovar dentes e você pôs a sua mãe no meio, dizendo que ela deixava. Como ela não está aqui, você usa o nome dela para influenciar a minha decisão. Isso é que eu falei que não pode.
– Igual quando o Mateus falou que o Cláudio não gostava de mim, né, Pai? Como o Cláudio não estava lá para dizer se era verdade ou não, você me disse para não levar a sério, né?
– Isso mesmo, meu filho. Foi isso que eu chamei de triangulação! Você quer pedir algo para uma pessoa, mas usa a autoridade de uma terceira para conseguir o que quer da segunda pessoa. Ao invés da sua comunicação ser direta, e formar uma reta, ela vai para a terceira pessoa e depois para a segunda, formando um triângulo, com a resposta dela.
– Pai, não precisa pegar a caneta… você sempre esquece que eu não sou seu aluno.
– Mas isso é importante, Filho. A triangulação gera muitos mal-entendidos. Você pode ter certeza que eu não vou perguntar para a sua mãe se ela deixa mesmo você dormir sem escovar dentes. Será motivo para mais uma briga, e eu tenho certeza que ela vai negar, pois não pode uma mãe falar um absurdo desses para uma criança…
– Mas ela deixou, Pai.
– Já falei que isso é triangulação. Como ela não está aqui para conversar conosco, é melhor você se levantar e escovar seus dentes agora.
– Tá bom, Pai. Mas me espera aí no quarto, viu?
– Tá bom, Filho. Escova direitinho, viu? E não esquece de escovar também a língua!
– Pronto, Pai.
– Agora dorme, meu filho. Amanhã, nós vamos passear muito!
– A Mamãe não vai, né, Pai.
– Não, Filho. Já falei que estamos separados. Agora é hora de dormir…
– Bença, pai.
– Deus te abençoe, meu filho.
– Pai,
– Quê que foi, meu filho?
– Por quê que a gente pede “bença”?
– É uma forma de falar… Na verdade deveria ser “bênção”, mas como é difícil de falar, foi ficando bença.
– Não, Pai, estou falando por que é que o filho tem de pedir a benção para o Pai.
– Ah! É uma forma de respeito, de demonstrar que você respeita seu pai.
– Mas por que você fala “Deus te abençoe”? Você poderia dizer “Tá abençoado, Filho”. Pode ou não pode?
– Não sei… acho que pode…
– Mas você preferiu colocar uma terceira pessoa na conversa e isso é aquela coisa que você falou de triangulão.
– Triangulação, meu filho.
– É isso! Eu falo algo com você e você fala de um terceiro para me dar o que eu pedi para você.
– É…
– E não tem jeito de Deus estar aqui para conferir se Ele me abençoa mesmo, tem? Se juntasse as três pessoas, a gente podia esclarecer tudo.
– Mas é claro que Deus te abençoa, meu filho!
– Pai, a mamãe deixou eu ficar sem escovar dente um dia, eu juro!
– Amanhã a gente conversa sobre isso…
– Boa noite, Pai.
– Boa noite, Filho.
– Pai?
– Que é, meu filho?
– A partir de hoje eu não te peço mais a benção, viu? Vou pedir diretamente para Deus. Chega de triangulação.
– Tudo bem, meu filho! Boa noite.
– Boa noite!

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1 comentário em “Triangulação”

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